domingo, 4 de janeiro de 2009

Obituários...

título talvez estranho, mas próprio de final e começo de ano. Faz parte de um balanço. Ocorreu-me hoje a vontade de escrever o obituário de 2008, um obituário bastante específico, referente a algumas pessoas próximas e queridas que morreram no ano passado.

Sobre obituários

Há três janeiros, eu estava praticando meus precários conhecimentos de língua inglesa na Califórnia e, ao ler jornais locais de Riverside (uma cidadezinha perdida no meio do nada, a 70 milhas de Los Angeles), chamaram-me a atenção obituários sobre as saudades que deixam, por exemplo, a Sra. Miller, excelente esposa, mãe, tia e sogra amorosa, participante das rodadas de bridge no clube; o Sr. Stanley, veterano de tantas campanhas, um dos pilares da sociedade civil; o Dr. Ebenezer Smith, a quem toda a cidade tanto deve, desde as primeiras cirurgias que fez nos anos 50, e assim por diante. Os textos podiam ocupar um parágrafo ou uma coluna inteira do jornal, imagino que a extensão só dependesse da disposição de familiares e amigos para escreverem sobre seus mortos (sei lá, talvez dependesse também do espaço pago, afinal, isso acontece no paraíso do capitalismo). O fato é que simpatizei com detalhes como, por exemplo, as tortas de damasco, com cobertura de suspiro e recheio de não-sei-o-quê, absolutamente inesquecíveis, da Sra. Miller, ou a rotineira caminhada matutina do Dr. Ebenezer, devidamente trajado com sua bermuda branca e meia soquete.

É assim, com a memória afetiva, que escrevo um pouco sobre os que aqui não estão para ler. Nesse mesmo espírito espero que escrevam sobre mim. Atenção: filhos, filha, netinhas, primeira cobrança explícita neste blog, em que certamente haverá outras. Esta, entretanto, se vocês não cumprirem eu nem saberei...


Jairo

Uma figura inesquecível. Lamento o pouco convívio que tivemos. Como bem lembrou o Guile, foi há 15 anos que nós cinco, que formávamos então minha família, visitamos au grand complet Jairo, Maria Luiza & filhos, sendo ele meu concunhado, e ela a cunhada mais meiga e querida que alguém possa ter. Não é dessa viagem, que tenho recordações mais fortes, mas de tempos antigos, quando as crianças eram muito pequenas e ele demonstrava um jeito especial para lidar com cada uma delas. Sua grande performance no Natal de 1986, quando se vestiu de Papai Noel, mudou a postura, disfarçou a voz e enganou até a própria filha, que exclamou: “Puxa, o Papai Noel usa sapato igualzinho ao do meu pai!” Outra ação típica: o passeio de carro de Bertioga a São Sebastião, Jairo dirigindo seu enorme Galaxie Landau, que ocupava a pista inteira, a 30 km por hora nas curvas da Rio-Santos, todo mundo buzinando impaciente e ele “nem aí”, curtindo a viagem e apreciando a paisagem... Parece que as pessoas sempre estarão por perto, ou que sempre poderemos nos ver em férias, festas ou feriados prolongados. Não era tão perto, Cascavel fica a 960 km de casa. Mas pegou-nos desprevenidos essa perda, embora de certo modo anunciada por idas ao hospital, breves internações, dificuldades crescentes com respiração, movimentação, etc.


Pedrão

A ausência do Pedrão ainda está difícil de assimilar. Nada como um bom advogado para a gente se sentir segura na vida, firme nas decisões, defendida ante imprevistos e contratempos. Além disso, como comentou uma amiga minha, ele parecia “imorrível”... Ocultas sob sua figura imponente, seu vozeirão e suas frases provocadoras e polêmicas, ele escondia grandes qualidades, uma vivência extraordinária, um jeito bom de atender a quem precisasse dele. Advogado de mão cheia, tinha respostas para tudo e não hesitava em exercer o papel de modo bem teatral, até mesmo com oportunos murros na mesa se necessário. Lamentarei para sempre que ele não tenha tido tempo de resolver questões jurídicas, grandes e pequenas, minhas e de tantas pessoas, que ele faria a seu modo e com sua competência peculiares. A doença instalou-se nos pulmões de modo fulminante, ou já estava por lá e só se manifestou em estado avançado, como saber? O maior problema não serão as pendências jurídicas, algumas que pretendo resolver e outras que dou por encerradas; o que pesará mais, sem dúvida, serão as saudades.

Didi

Ou Dirce, a componente da famille que ganhei em Orléans. Viajávamos pelo interior da França, de Poitiers a Paris, Didi, Adélia e eu, com cinco ou seis dias para passear, em programação bastante flexível. Mapa rodoviário na mão (e ainda sem GPS, o que torna mais fascinante essa aventura, pois nenhuma de nós tinha o menor senso de direção), percorríamos 80 a 100 quilômetros, entrávamos em alguma cidadezinha, procurávamos um hotel para pernoitar e visitávamos os pontos interessantes nos arredores. Em Orléans saímos a passeio em horários diferentes e, quando Didi e Adélia retornaram ao hotel, a concierge decretou: “Votre famille n’est pas là!”. Sem saber, aquela senhora com ar de camponesa meio mal-humorada identificou-nos como nos sentíamos: uma verdadeira família. Cada vez mais me convenço, aliás, de que elegemos alguns parentes da família original, esquecemos outros tantos e acrescentamos famílias não-consanguíneas ao longo da vida. Os laços que permanecem atam-se mais por afinidades afetivas do que por herança genética...


Glória

Que dizer de uma pessoa boa, tranquila, sossegada, a quem, todavia, tão poucas chances foram proporcionadas? Tínhamos exatamente a mesma idade, “meninas” da safra de 1950, e nos tornamos amigas na adolescência, quando meu tio Dico começou o namoro com Anália, a irmã dela, que resultou, aliás, em um dos casamentos mais felizes que já vi. Ao entrar na vida adulta, Glória começou a apresentar pequenos distúrbios psiquiátricos, contornados com medicamentos e tratamentos. Ficou à sombra da família, uma tia querida para dezenas de sobrinhos. Não aconteceu a profissionalização, nem o casamento, nem, evidentemente, a independência financeira. O primeiro câncer foi derrotado, anos atrás, porém chegou outro, agressivo, que provocava dores insuportáveis. O ano inteiro de internações, tratamentos, até a sedação e a morte. Triste. Só não é mais triste porque contou com carinho, apoio e presença firme dos irmãos, tia Anália e Jair em especial. Uma família autenticamente solidária.


Soninha

Eu não a via desde o último encontro das “meninas do colégio”, que havia sido em um restaurante nas colônias, em São Bernardo, há cerca de sete anos. Assim, fiquei muito feliz quando fui convidada para a reunião que Adriana Todesco estava organizando no sítio em Riacho Grande, e lá nos encontramos: Ana, Angelina, Cecília, Dora, Eliana, Elisabeth, Eunice, eu, Márcia, Marlene, Marli, Neusa, Nidya, Regina, Tânia, além das hostess Adriana e Daniela. Apesar do mau tempo, foi uma tarde alegre, divertida, acompanhada de sessões de fotos e piadas, claro... Também fazia tempo que eu não conversava com a Soninha, e só então soube que ela havia ficado viúva anos antes, porém os filhos já estavam independentes, a vida estabilizada – até havia aparecido um namorado. Ela estava tão bonita e feliz que, quando a Ana me telefonou, menos de um mês depois, para dar uma notícia triste, ela seria a última pessoa em quem eu iria pensar. Um acidente de carro. Tão inexplicável... Ela está no centro da foto, de jaqueta branca, e esta é a imagem que fica, acho que para todas nós.





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