quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Como é difícil organizar o tempo...

Não pensei que um blog exigisse tanto tempo. É difícil escrever sobre o presente, dado que fatos interessantes se sucedem com rapidez: ontem (sexta-feira) o fim da minissérie sobre Maysa, anteontem (quinta-feira) um exame médico que me exigiu dois dias sem consumir café, chá escuro, leite & derivados, etc., e a “excursão” a São Bernardo na quarta. Talvez o mais rebelde às tentativas de reorganizar seja o tempo das recordações: a memória é caprichosa e seletiva, fico sempre desconfiada das peças que pode me pregar. Fico sem saber o que é realmente importante para ser registrado, mesmo em um registro parcial, subjetivo, aleatório... Ora, será importante o que eu decretar que é importante, pois não presto contas a ninguém e posso ficcionalizar. Posso, mas não quero. Concluo que o compromisso com a verdade é uma utopia bastante cansativa.

O fato é que algumas horas passadas no centro de São Bernardo me levaram aos anos 60. Ao andar pelo comércio na Marechal Deodoro e arredores, tive contínuas surpresas com as atuais funções ou a aparência de diversos imóveis. Tornaram-se meros estabelecimentos de comércio popular, sem nenhum encanto, algumas das casas em que residiam minhas amigas. Havia na época um ar, se não de opulência, pelo menos do conforto típico da classe média estabelecida, e eu me pergunto se era impressão minha, por ser então moradora de um conjunto habitacional padronizado (central, adequado para nós, porém sem nenhum status social).

Do ponto de vista da minha infância e adolescência, aquela configuração urbana e social parecia imutável. O mundo parecia estratificado, dividido entre pessoas ricas e pobres, porém a linha de separação que parecia uma muralha era um tênue que desapareceu totalmente...

Rua Jurubatuba, 1274

Ontem vi de longe, do alto, do outro lado da cidade: não sobrou nada. Isto é, faz tempo que não sobrou nada das três fileiras de sobrados, com terraços, escadas, um enorme eucaliptal como moldura, tudo desapareceu. Os tipos comuns que foram nossos vizinhos, parecidos com meus pais, ou os tipos exóticos recém-chegados da Itália do pós-guerra nos anos 50, ou os nordestinos com seus nomes estranhos, que chegaram na década seguinte, quantos deles ainda vivem? Aquelas dezenas de crianças que fomos, onde andarão? Já é tema para outro dia, a reflexão sobre a diversidade dos destinos humanos.

Rua Municipal

Poucas vezes entrei na casa da Maria Aparecida. Embora tivéssemos estudado juntas seis ou sete anos, ela era bastante reservada, não gostava de enturmar-se, e não via o menor problema em ser apontada como queridinha (ou puxa-saco, os termos variavam) das freiras. Conhecíamos seus pais, assíduos nas decisões quanto à formatura, por exemplo, sempre votando contra os “bailinhos” ou outras atividades que poderiam nos proporcionar diversão. O pai era industrial, mas os industriais de São Bernardo da época, quando muito, eram donos de fabriquinhas de móveis com menos de uma dezena de empregados, o que lhes permitia fazerem pose de grandes capitalistas na acanhada sociedade local. A casa tão bem estabelecida logo se converteu em lavanderia, o que descobri nos classificados do jornal, quando não conseguia tirar uma mancha enorme do tapete da sala.

Rua Américo Brasiliense

A casa da Silvinha era um sonho! Quando estávamos na 4ª série do ginásio, acompanhamos a construção e a mudança, pois a mãe dela era um verdadeiro mestre de obras, escolhendo pisos, azulejos e mobília, sem deixar nos levar, em sua Rural Willys, para trabalhos em grupo ou preparativos para a formatura. Dentre outros requintes que eu não conhecia até então, construiu-se nessa casa não um “puxadinho”, mas um salão, devidamente mobiliado, para os jovens ouvirem música ou estudarem. Era a casa em que eu (e quase todo mundo) gostaria de ter morado. Poucos anos depois, virou agência de seguros, escritório ou algo assim, e está praticamente em ruínas, pelo jeito, em vias de ser demolida.

Rua Rio Branco

Ah, as casas ao lado da igreja matriz: não havia nada mais chique e poderoso do que morar lá. Eram térreas, como a dos Pelosini, na esquina da rua Santa Filomena, ou sobrados que me pareciam enormes, como a da Ana Ronchetti. Também são estabelecimentos comerciais – a dos Pelosini simplesmente foi demolida e deu lugar a um pequeno shopping, a da Ana continua lá, totalmente descaracterizada. É quase impossível imaginar o ambiente aconchegante que lá existia, em uma família no melhor estilo ítalo-patriarcal, tão típico da cidade.


Acertou o velho Marx ao afirmar que tudo o que é sólido desmancha no ar. Infelizmente, nós todos, também – é apenas questão de tempo...

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